Judiciário

Juíza Bruna Fernanda enquadra Promotor de Justiça Márcio Antônio Alves de Oliveira. Site divulga íntegra da decisão que imputa conduta com “indícios de machismo estrutural” ao membro do Ministério Público.

“Diante da postura do membro do Ministério Público, que incluiu dar ordens diretas aos servidores desta Vara Judicial e tratar com descortesia tanto a Secretária Judicial quanto esta magistrada Presidente, demonstrando um comportamento que, em análise preliminar, configura tratamento sem urbanidade e com indícios de machismo estrutural no tratamento direcionado às servidoras e à Juíza…”

A juíza Bruna Fernanda Oliveira da Costa (titular da Comarca de Cantanhede), durante sessão do Tribunal do Júri que ocorria no município de Cantanhede (Estado do Maranhão), implementou decisão manifestando indignação com condutas perpetradas pelo Promotor de Justiça Márcio Antônio Alves de Oliveira (titular da Comarca de Cantanhede), detalhando comportamento inadequado do representante do Ministério Público, no que concerne a respeitabilidade das funções exercidas por mulheres no sistema de justiça e a própria imagem da justiça perante terceiros.

Direito e Ordem transcreve abaixo parte da decisão da magistrada, com o seguinte contexto:

Preliminarmente à abertura da sessão, ao ingressar na Câmara de Vereadores de Cantanhede–MA, local da realização da sessão de júri, o Promotor de Justiça solicitou, em tom e maneira inadequados, que a secretária judicial removesse seus objetos pessoais para que pudesse ocupar o assento imediatamente à direita da magistrada, segundo ele, em observância ao disposto na Lei Complementar n.º 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).

Não obstante a manifestação do membro do Ministério Público, a servidora, buscando evitar maiores intercorrências, desocupou prontamente o assento. Com a chegada da magistrada Presidente, ao tentar iniciar a organização da sessão e advertir o membro do Ministério Público de que a disposição dos assentos seria realizada no momento oportuno, após a abertura formal dos trabalhos, a fim de não causar tumulto e preservar a solenidade do ato, foi abruptamente interrompida durante sua fala pelo Promotor de Justiça.

Diante da postura do membro do Ministério Público, que incluiu dar ordens diretas aos servidores desta Vara Judicial e tratar com descortesia tanto a Secretária Judicial quanto esta magistrada Presidente, demonstrando um comportamento que, em análise preliminar, configura tratamento sem urbanidade e com indícios de machismo estrutural no tratamento direcionado às servidoras e à Juíza, passou a magistrada a deliberar sobre o ocorrido.

DELIBERAÇÃO

Em virtude do comportamento inadequado e grave tumulto ocasionado pelo membro do Ministério Público, antes de sua formal abertura, a presente sessão do Tribunal do Júri, previamente designada para esta data, teve sua realização inviabilizada.

Cumpre salientar, ab initio, que esta magistrada não ignora a prerrogativa assegurada aos membros do Ministério Público de ocupar posição de destaque e proximidade à banca do Juiz Presidente, conforme preconiza a legislação pertinente. Entretanto, o exercício de qualquer prerrogativa funcional, por mais relevante que seja, deve se dar em harmonia com os demais princípios que regem a atuação no Poder Judiciário, notadamente o da urbanidade, o respeito à ordem dos trabalhos e a necessária cooperação entre os diversos atores processuais para a boa administração da justiça.

A conduta observada, ao antecipar-se à organização formal da sessão para impor uma disposição física e, subsequentemente, interromper a fala da magistrada Presidente em momento de orientação sobre os procedimentos do ato solene, desvia-se da forma polida, respeitosa e colaborativa esperada no exercício de tal direito, configurando inaceitável desorganização preliminar do ambiente de julgamento.

Além disso, a manifesta falta de urbanidade no trato com a Secretária Judicial e esta Juíza, aliada à emissão de ordens diretas aos servidores da Vara e à própria Presidente, antes mesmo da instalação formal da sessão, denota um comportamento que atenta contra a dignidade funcional dos auxiliares da justiça e da autoridade judiciária que preside os trabalhos. Tal postura, em especial no que se refere à forma de tratamento dispensado à servidora e à magistrada no contexto apresentado, sugere, com preocupação, a influência de vieses que reproduzem o machismo estrutural, configurando um desrespeito que transcende a lide processual e afeta o ambiente de trabalho, a respeitabilidade das funções exercidas por mulheres no sistema de justiça e a própria imagem da justiça perante os presentes.

A violência de gênero, conforme amplamente reconhecido pela doutrina e jurisprudência, não se restringe à agressão física ou sexual, manifestando-se também em atitudes que objetificam, inferiorizam e desqualificam mulheres em razão do seu gênero. O ambiente do Tribunal do Júri, espaço solene de exercício da jurisdição, não pode ser palco para tais comportamentos, que maculam a imparcialidade e o respeito que devem nortear os trabalhos. A serenidade, o respeito mútuo e a observância da ordem são pilares indispensáveis para a condução de um julgamento justo, imparcial e digno.

Nesse sentido, destaco que o Conselho Nacional de Justiça, atento a essa problemática, tem editado resoluções e protocolos visando a um julgamento com perspectiva de gênero e à erradicação da violência institucional. Atitudes como a presenciada nesta sessão contrariam frontalmente esses esforços e exigem pronta e enérgica resposta deste Juízo, como forma de garantir um ambiente de trabalho saudável e respeitoso para todas as profissionais do Direito e de reafirmar o compromisso do Poder Judiciário com a igualdade de gênero e a dignidade da pessoa humana.

A presente decisão considera a necessidade de coibir práticas de violência de gênero institucional, em consonância com as diretrizes estabelecidas no protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, ainda que por colegas que se encontram na mesma posição hierárquica, formulada em 2021 pelo Conselho Nacional de Justiça, Grupo de Trabalho instituído pela Portaria CNJ n. 27, de 2 de fevereiro de 2021, o qual indica que: O ambiente de trabalho é, na verdade, um terreno fértil para discriminacões, pois a assimetria inerente à relacão empregatícia favorece a prática velada de condutas discriminatorias, o que não exclui a ocorrencia deste tipo de conduta também entre colegas no mesmo nível hierárquico (p. 107)

Destaque-se outro ponto relevante elencado pelo protocolo do julgamento com perspectiva de gênero, que se adequou aos eventos ocorridos nesta data:

O ambiente de trabalho pode ser hostil em termos de genero. A participacão das mulheres em reuniões, por exemplo, é cerceada por interrupcões de sua fala (“manterrupting”); por explicacões desnecessarias como se elas nao fossem capazes de compreender (“mansplaining”); por apropriacões de suas ideias que, ignoradas quando elas verbalizam, são reproduzidas por homens, que passam a receber o crédito (“ bropriating”). (p.114)

Por todo o contexto dos fatos, resta indispensável mencionar, também, que a simples presença de mulheres em posições de autoridade, como magistradas e promotoras, embora auxilie no desmonte de estereótipos de gênero no sistema de justiça, não as imuniza contra discriminações.

A conduta afrontosa e com o nítido intuito de amedrontar esta magistrada para impor sua vontade em manifesto intento de sobrepor seus vaidosos interesses, consistente, dentre outras condutas, em dar ordens à Presidente da sessão do júri, aproximando-se fisicamente da magistrada ao ponto de impedi-la de sentar em cadeira adequada, revela mais um episódio de opressão de gênero e de condição de pessoa com deficiência, resultando, em esquiva do bom trabalho, objetivo este que deveria ser o principal entre os atores que na bancada se encontravam. Por tal modo, entendo necessária a suspensão da presente sessão.

In fine, verifica-se também que parte dessa postura irascível e disruptiva do membro do Ministério Público remonta à sessão de julgamento designada para o dia 12 de maio de 2025, que não se realizou em virtude da ausência do próprio membro do Parquet, evidenciando que o tumulto causado na presente data não se limitou à simples busca pelo assento, mas sim a uma exteriorização de insatisfação por eventos passados, utilizando a sessão do Tribunal do Júri como palco para tal manifestação, em detrimento da ordem e da seriedade dos trabalhos.

O comportamento do membro do Ministério Público, ao desorganizar o ambiente da sessão antes mesmo de sua abertura formal, tratar com descortesia a magistrada presidente e a servidora judicial, tornou inviável a continuidade dos trabalhos na presente data, comprometendo a serenidade, a urbanidade e a formalidade indispensáveis a uma sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri.

Diante do exposto, e considerando o grave tumulto processual causado pelo membro do Ministério Público antes da abertura formal da sessão, que comprometeu a ordem, a cortesia, a solenidade do ato e a atuação serena das servidoras e desta magistrada Presidente, DECLARO INVIABILIZADA a realização da presente sessão de julgamento do Tribunal do Júri na data de hoje, 14 de maio de 2025.

O site está à disposição dos interessados para postagem de qualquer manifestação.

Veja abaixo a íntegra da decisão da magistrada Bruna Fernanda Oliveira da Costa.

Referência: Poder Judiciário do Estado do Maranhão.

Alex Ferreira Borralho

Alex Ferreira Borralho é advogado e exerce suas atividades advocatícias, principalmente, nas áreas cível e criminal. Idealizou o Instagram Direito em Ordem em 03.01.2022, criando um canal de informações que busca transmitir noticias relevantes de forma sucinta, de entendimento imediato e de grande importância para a sociedade, o que foi ampliado com publicações de artigos semanais no Jornal Pequeno, todos os sábados e nos mais variados meios de comunicação. Esse canal agora é amplificado com a criação do site Direito e Ordem, que deverá pautar, especialmente, os acontecimentos do Poder Judiciário do estado do Maranhão, levando, ainda, ao conhecimento de todos informações sobre episódios diários no âmbito dos tribunais, dos escritórios de advocacia e do meio político e social.
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