Judiciário

Escândalo! Civilization Works expõe práticas do Ministro Alexandre de Moraes e fragiliza atuação do STF. Conversas de assessores são divulgadas!

Direito e Ordem publica a íntegra do relatório que menciona  “uso irregular de dados biométricos e redes sociais por equipe ligada ao TSE para investigar e punir manifestantes do denominado “atos golpistas de 8 de janeiro de 2023”, fora dos canais legais.

O conteúdo do site Direito e Ordem apesar de ser aberto, podendo ser reproduzido, tem sido excessivamente copiado e replicado por jornalistas e blogueiros sem ética e que não citam a fonte. Aos leitores fica a dica para atentarem para a data e o horário das postagens, para comparação com o que é postado pelos copiadores. E aos parasitas, que mencionem a fonte (Direito e Ordem).

A Civilization Works, que é uma organização de pesquisa e causas públicas, com posicionamento em defesa da civilização liberal-democrática, revelou as supostas práticas utilizadas pelo Ministro Alexandre de Moraes e seus assessores para apuração e punição dos fatos ocorridos em 08.01 (denominado atos golpistas de 8 de janeiro de 2023), exibindo trocas de mensagens que seriam do ex-assessor de Moraes no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Eduardo Tagliaferro, com outros juízes e auxiliares do ministro, estando entre eles a chefe de gabinete no Supremo Tribunal Federal (Cristina Kusuhara).

O conteúdo ora divulgado estarrece e terá alguns pontos transcritos abaixo por Direito e Ordem. Vamos a reprodução, da seguinte forma:

“Em 8 de janeiro de 2023, o Brasil enfrentou sua própria versão do 6 de janeiro. Milhares de apoiadores de Jair Bolsonaro, indignados com supostas fraudes eleitorais e o retorno ao poder de um político corrupto condenado, invadiram prédios do governo em Brasília. Muitos eram idosos e nenhum estava armado. No entanto, em poucas horas, o Supremo Tribunal Federal e grande parte da imprensa classificaram o evento como uma “tentativa de golpe” e rotularam os manifestantes como “terroristas”.

O que se seguiu foi uma repressão sem precedentes: prisões em massa, ordens de censura e a concentração de poderes extraordinários nas mãos de um único ministro: Alexandre de Moraes — o mesmo que, vinte meses depois, ordenou o fechamento da plataforma de mídia social X no Brasil por 40 dias.

Novos documentos vazados — incluindo material inédito do arquivo originalmente descoberto pelos jornalistas Glenn Greenwald e Fábio Serapião no ano passado na série de reportagens popularmente conhecida como “Vaza Toga” — revelam que Moraes montou uma estrutura paralela de inteligência dentro dos principais tribunais do Brasil e supervisionou pessoalmente todas as etapas da operação, dirigindo um esforço secreto de dentro de seu próprio gabinete, contornando os canais legais tradicionais.

Na época, Moraes ocupava dois cargos poderosos: juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão que supervisiona as eleições no Brasil. Ele usou essa dupla função para contornar limites legais, transformando funcionários do tribunal em uma unidade de inteligência. Embora a operação fosse dirigida a partir de seu gabinete no STF, as principais tarefas ficavam a cargo da equipe de desinformação do TSE — originalmente criada para monitorar o conteúdo eleitoral online —, que foi pressionada a participar apesar de não ter jurisdição sobre questões criminais. Naquela altura, as eleições já haviam terminado há muito tempo, Lula já estava no cargo e, segundo especialistas jurídicos, o TSE não tinha mandato formal para se envolver em investigações criminais.

A força-tarefa operava por meio de um grupo no WhatsApp. Em vez de acusações legais ou provas formais, ela se baseava em “certidões” informais geradas por meio do acesso a bancos de dados confidenciais e vigilância digital improvisada. Um simples comentário poderia ser suficiente para rotular alguém com uma “certidão positiva” — uma classificação informal que, na prática, ajudava a manter alguém na prisão. Essas certidões nunca foram compartilhadas com os advogados de defesa e nunca foram analisadas pelos promotores.

Registros oficiais do STF mostram que apenas 243 pessoas foram presas no 8 de Janeiro dentro de prédios do governo. Elas foram acusadas de crimes graves, como tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado democrático de direito e participação em organização criminosa, recebendo posteriormente sentenças de até 17 anos — tão severas quanto as aplicadas a criminosos violentos —, embora a maioria não tivesse cometido nenhum ato de vandalismo. As acusações eram genéricas, severas e não individualizadas; bastava simplesmente passar pelo Congresso para ser acusado de tentar derrubar o Estado, incluindo casos de três indivíduos sem-teto, além de crianças e idosos com graves problemas de saúde. Além disso, o Supremo Tribunal Federal impôs uma multa coletiva de R$ 30 milhões, a ser dividida solidariamente entre todos os condenados, independentemente de suas ações individuais.

No entanto, a grande maioria — 1.929 pessoas — foi detida no dia seguinte em acampamentos na frente de instalações militares, onde milhares se reuniram após as eleições para protestar pacificamente. Por ordem das autoridades, eles foram enganados pelo próprio Exército em que confiavam: os oficiais disseram que os levariam à rodoviária para voltarem para casa, mas, em vez disso, os entregaram à polícia, que os levou diretamente para a prisão. Ironicamente, o Exército brasileiro havia descrito anteriormente essas agremiações como expressões legítimas da liberdade de expressão.

Em contrapartida, os movimentos de esquerda têm um longo histórico de invasão de prédios públicos sem enfrentar consequências comparáveis. Em 2014, ativistas sem terra tentaram invadir o STF, ferindo vários policiais e forçando a suspensão de uma sessão. Em 2006, outro grupo de ativistas sem terra invadiu o Congresso, derrubando carros, quebrando portas, destruindo propriedade e ferindo gravemente funcionários — incluindo um chefe de segurança que sofreu uma fratura no crânio.

Na última década, grupos de esquerda realizaram dezenas de invasões e atos de depredação contra prédios públicos, muitas vezes deixando um rastro de destruição, mas raramente enfrentando acusações coletivas ou as duras sentenças agora proferidas contra os réus do 8 de Janeiro.

Na repressão atual, as autoridades chegaram a recrutar colaboradores externos — ativistas políticos, universidades e agências de verificação de fatos — para se infiltrar em grupos de bate-papo privados ou descobrir postagens incriminatórias. O próprio Moraes autorizou essas ações por meio de e-mails enviados para sua conta pessoal, contornando todos os canais institucionais.

Enviamos as conversas vazadas e os registros oficiais a juristas para identificar possíveis ilegalidades e avaliar se as ações eram compatíveis com a Constituição e o devido processo legal. Especialistas jurídicos argumentam unanimemente que o STF e o TSE ultrapassaram os limites constitucionais após o 8 de Janeiro, transformando efetivamente o Tribunal Superior Eleitoral em um órgão investigativo paralelo sem qualquer mandato legal.

Eles destacam:

● Abuso de poder: unidades do TSE agiram como polícia, usando dados biométricos e se infiltrando em grupos privados;

● Violações do devido processo legal: detenções centralizadas sob o juiz Alexandre de Moraes, prazos ignorados e “certidões” informais usadas para justificar a prisão;

● Viés político: liberdade ou detenção frequentemente ligadas a posições ideológicas, não a provas.

O resultado, alertam, foi um sistema de justiça paralelo, em que o mais alto tribunal do Brasil decidia quem ficava na prisão — não com base em audiências ou argumentos jurídicos, mas em varreduras de redes sociais compiladas às pressas, listas negras e perfis improvisados. O que começou como uma resposta excepcional ao dia 8 de janeiro agora consolidou práticas que minam a separação de poderes e as garantias do Estado de direito.

(…)

A mão de ferro por trás da força-tarefa

Criado apenas cinco dias após os distúrbios, o grupo do WhatsApp chamado de “Audiências de Custódia” incluía agentes cuidadosamente selecionados do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), todos profundamente leais a Moraes — e todos anteriormente citados na investigação Vaza Toga, que expôs como esses mesmos funcionários ajudaram a realizar vigilância ilegal, censura e manipulação de provas.

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Outros assessores do TSE contribuíram para a investigação, mas raramente apareceram nas conversas do grupo. Sua missão: traçar o perfil de mais de 1.400 detidos em massa, usando qualquer vestígio digital disponível — e fazer isso rapidamente. O principal deles era Tagliaferro, que, com alguns assistentes, produziu as certidões com base em pesquisas apressadas nas redes sociais e dados extraídos de bancos de dados do tribunal.

Nossa equipe entrou em contato com funcionários atuais e ex-funcionários do TSE. As fontes revelaram que Kusahara atuava como representante informal de Moraes dentro do TSE, apesar de não ocupar nenhum cargo oficial no tribunal. As ordens vinham diretamente dela, que repassava as exigências do gabinete de Moraes e até pressionava os juízes responsáveis pelas audiências. “Ela basicamente dizia aos juízes o que fazer”, disseram as fontes, acrescentando que, embora não fosse formalmente designada para o TSE, Cristina usava um e-mail institucional, dava instruções diretas aos funcionários e supervisionava as certidões. “Ela vive 24 horas por dia para Moraes e goza de um alto status social, apesar de ganhar um salário baixo. Não sei que tipo de relação eles têm”, diz uma das fontes.

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Desde o início, Kusahara impôs um controle rígido e senso de urgência. Ela forneceu os modelos dos documentos e dirigiu o fluxo de comunicação entre o STF e a equipe do TSE. Kusahara deixou claro que o objetivo era separar as “hipóteses” — para determinar quem deveria permanecer na prisão e quem poderia ser libertado. Uma vez que o nome de alguém era marcado como “positivo”, essa pessoa era tratada como culpada. De acordo com as fontes, pessoas que postaram conteúdo pró-Bolsonaro, vestiram verde e amarelo (cores da bandeira brasileira), seguiram páginas de direita ou criticaram as eleições foram marcadas como “positivas”. Apenas aqueles que nunca expressaram opiniões políticas ou postaram sobre protestos receberam uma certidão “negativa”.

As ordens de Kusahara eram implacáveis. Ela ditava o ritmo e pressionava pela quantidade em vez da precisão. Quando Tagliaferro levantou preocupações — apontando que o Tribunal Eleitoral nunca foi treinado para realizar trabalho de inteligência — ela respondeu bruscamente: “Preciso que isso seja feito com cautela, mas não no ritmo de vocês aí do TSE. Desculpe a expressão… O pessoal aí está mal acostumado.” Sua objeção ressaltou a natureza improvisada — e ilegal — da operação. A unidade de desinformação do TSE não tinha mandato para conduzir investigações. Mas Moraes já havia cruzado todos os limites.

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A pressão e a urgência impostas pelo gabinete de Moraes vinham aumentando há meses — desde as eleições de 2022 — e muitos dos envolvidos já estavam exaustos. Em uma mensagem de voz enviada ao juiz Airton Vieira logo após a votação, Tagliaferro admitiu que a carga de trabalho era insustentável, descrevendo as ordens de Moraes como “simplesmente desumanas”.

Em outra mensagem, Kusahara não deixou dúvidas sobre o objetivo da operação. “Temos 1.200 pessoas custodiadas e a maioria será libertada”, escreveu ela. “Não podemos nos dar ao luxo de ficar filosofando.” As digitalizações não eram apenas complementares — elas decidiriam quem ficaria atrás das grades.

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O ritmo era frenético, o processo improvisado e os erros eram frequentes. Às vezes, as certidões eram emitidas, retiradas e emitidas em questão de minutos — muitas vezes sem motivo aparente. A mesma pessoa podia passar de “negativo” para “positivo” com um único clique. Nenhuma explicação era dada. O grupo simplesmente seguia em frente.

As mensagens mostram funcionários recebendo listas informais de detidos diretamente da polícia — incluindo nomes, fotos e números de identidade — sem qualquer cadeia de custódia formal. Em um áudio, um policial federal pediu para manter a confidencialidade porque os dados eram “muito procurados”. O pedido não era apenas por discrição — revelava a consciência de que o material estava sendo compartilhado fora dos canais legais adequados.

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As certidões que determinaram quem poderia sair em liberdade

O cerne do sistema de detenção secreta de Moraes era a “certidão”. Esse documento não tinha valor legal. Nunca foi compartilhado com os advogados de defesa. No entanto, desempenhou um papel decisivo na determinação de quem permanecia na prisão — pelo menos, é o que as mensagens vazadas sugerem que era a intenção.

Tudo começou com listas informais enviadas pelo STF e pela polícia com nomes e, em alguns casos, números de identidade. Funcionários do tribunal então extraíram dados do banco de dados da Receita Federal do Brasil (bCPF) e do Registro Nacional de Carteiras de Motoristas (RENACH). Eles também acessaram sistemas internos como o GestBio, o banco de dados biométrico do TSE que contém imagens faciais, impressões digitais e dados pessoais de quase todos os brasileiros adultos.

De acordo com o advogado constitucionalista Richard Campanari, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), o uso do GestBio para fins investigativos é inconstitucional e representa um grave uso indevido de dados pessoais sensíveis. Ele explica que o sistema foi criado exclusivamente para fins eleitorais, como evitar registros eleitorais duplicados, e seu uso fora desse âmbito viola o princípio da finalidade limitada previsto na Constituição e na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Campanari também alerta que o acesso a dados biométricos sem uma ordem judicial adequada ou autorização legal explícita não apenas viola as leis de proteção de dados, mas pode constituir abuso de autoridade e a criação de um aparato de vigilância clandestino.

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À medida que os funcionários nomeados politicamente vão e vêm a cada novo governo — muitas vezes sem nenhum compromisso real com a instituição — demonstram abertamente desprezo pela integridade da Justiça Eleitoral. Os funcionários de carreira não podem fazer nada para impedir os abusos que testemunham. E, no entanto, a culpa recai sobre todos eles.

As fontes afirmam que Moraes inicialmente não tinha conhecimento desse conflito. As coisas mudaram após os eventos de 8 de janeiro, quando funcionários apontaram que a AEED ainda não tinha acesso ao banco biométrico. Moraes então emitiu uma ordem formal autorizando o uso dos bancos de dados internos do TSE. A equipe da AEED recebeu acesso ao GestBio e começou a usá-lo para identificar manifestantes com base em imagens.

O objetivo dessa busca era encontrar uma foto recente de cada detido. Depois de associar um nome a um rosto, a equipe vasculhou as plataformas de mídia social em busca de postagens que pudessem ser interpretadas como “antidemocráticas”. Os critérios variavam de caso para caso. O padrão era tudo o que a equipe conseguisse encontrar. Isso poderia incluir:

● Compartilhar publicações nas redes sociais sobre os protestos;

● Crítica ao Supremo Tribunal Federal ou ao presidente Lula;

● Participação em um grupo do Telegram ou Whatsapp;

● Retuitar conteúdo relacionado às eleições rotulado como “desinformação”.

● Menções em reportagens;

● Denúncias anônimas postadas online.

Cada certidão era baseada em pesquisas rápidas em plataformas como Facebook, Instagram, Twitter, TikTok, YouTube, Telegram e Gettr. Se algum conteúdo fosse encontrado, o detido recebia uma “certidão positiva”. As principais fontes utilizadas para justificar os rótulos eram frequentemente artigos de notícias e perfis anônimos no Twitter — muitas vezes sem verificação da autoria ou do contexto.

Isso por si só era suficiente para justificar a detenção — independentemente de antecedentes criminais, comportamento violento ou mesmo presença dentro de prédios governamentais. Se nenhum conteúdo desse tipo fosse encontrado, o detido poderia ser rotulado como “negativo”. De qualquer forma, as decisões eram tomadas em questão de minutos.

Erros eram comuns. Em um caso, uma mulher chamada Vildete foi erroneamente sinalizada como “positiva”. Minutos depois, a equipe percebeu que a havia confundido com outra pessoa e mudou sua classificação para “negativa”. A mulher era provavelmente Vildete da Silva Guardia, uma aposentada de 74 anos que se tornou uma das vítimas mais simbólicas dos abusos. Mesmo com a certidão corrigida, ela permaneceu na prisão — e só foi libertada 21 dias depois devido a uma hemorragia intestinal grave.

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Parte I: As audiências de custódia

Nas semanas seguintes às prisões de 8 de janeiro, centenas de detidos permaneceram na prisão — mesmo quando a Procuradoria-Geral da República recomendou formalmente sua libertação. Advogados, familiares e defensores públicos não tiveram uma explicação clara para o motivo pelo qual os pedidos estavam sendo ignorados.

Em 10 de janeiro, apenas dois dias após as prisões em massa, o juiz Alexandre de Moraes assinou uma ordem centralizando todas as decisões sobre a detenção. De acordo com a lei brasileira, as audiências de custódia existem para proteger os direitos básicos dos detidos — para verificar possíveis abusos policiais e avaliar se a manutenção da prisão é justificada.

Neste caso, porém, elas parecem ter sido usadas apenas para aprovar resultados ditados em outro lugar. Os juízes de primeira instância foram autorizados a realizar audiências de custódia, mas apenas para verificar se as prisões ocorreram legalmente — não para decidir se alguém deveria ser libertado. Todas as decisões relativas à detenção permaneceram com Moraes.

Um relatório conjunto publicado em 23 de janeiro de 2023 pela Defensoria Pública da União, pela Defensoria Pública do Distrito Federal e pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura criticou a remoção da autoridade judicial e alertou para graves violações dos direitos humanos durante as audiências de custódia que se seguiram às prisões de 8 e 9 de janeiro em Brasília. Os juízes foram destituídos do poder de conceder liberdade e, em alguns casos, as pessoas permaneceram presas mesmo sem um pedido formal do Ministério Público.

O advogado Ezequiel Silveira, da Associação de Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (ASFAV), que representa dezenas de réus acusados em conexão com os eventos de 8 de janeiro, diz que as audiências de custódia foram “meras simulações de legalidade em um processo viciado desde o início”. Ele observa que os prazos legais foram ignorados, com atrasos de até 22 dias — violando o Código de Processo Penal, que exige uma audiência dentro de 24 horas após a prisão.

O que os defensores públicos e advogados suspeitavam, mas ainda não podiam provar, agora pode ser confirmado por uma mensagem revelada nos Arquivos do 8 de janeiro. Em 13 de fevereiro, Kusahara — chefe de gabinete de Moraes — enviou uma nota direta ao grupo interno do WhatsApp

“A PGR pediu a LP (liberdade provisória) deles, mas o ministro não quer soltar sem antes a gente ver nas redes se tem alguma coisa.”

A mensagem revelou o verdadeiro motivo por trás dos atrasos: a liberdade não estava sendo decidida com base em argumentos jurídicos, audiências ou autos do processo — mas em varreduras digitais informais ordenadas pelo próprio Moraes.

Emojis de um juiz revelaram a farsa por trás das audiências

Em 1º de março de 2023, o juiz Airton Vieira enviou uma mensagem de despedida ao grupo do WhatsApp. Ele acabara de encerrar sua função de supervisionar as audiências de custódia dos detidos de 8 de janeiro.

“Despeço-me aqui, singelamente, pois nos demais grupos já estou me despedindo… Que nas audiências de custódia possamos dar a cada um o que lhe é de direito: a prisão! 😜😜😜😜😜”

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Os emojis zombeteiros vieram de um juiz encarregado de garantir a justiça e o devido processo legal. No entanto, lá estava ele, comemorando abertamente o resultado — como se a culpa já tivesse sido presumida, muito antes de qualquer julgamento. A mensagem repleta de emojis do juiz Vieira não apenas quebrou o decoro. Ela revelou um julgamento prévio, falta de imparcialidade e o cinismo institucional por trás de uma operação que suspendeu o devido processo legal enquanto fingia defendê-lo.

Sua referência a “outros grupos” sugeria algo mais profundo: a existência de várias conversas paralelas além daquela que vazou. De acordo com nossas fontes dentro do TSE, havia de fato vários outros grupos do WhatsApp usados para discutir assuntos oficiais — todos parte de uma rede mais ampla e compartimentada que operava inteiramente nas sombras.

Esse sistema já havia sido denunciado pela ASFAV em um relatório de 100 páginas que antecipava muitos dos abusos agora confirmados pelos chats vazados. O relatório documentava audiências realizadas fora do prazo legal de 24 horas, juízes impedidos de ordenar libertações e a ausência de salvaguardas básicas, como exames forenses ou acesso aos autos do processo. Em muitos casos, os promotores já haviam apresentado acusações antes mesmo das audiências ocorrerem.

O relatório da ASFAV também observou que os juízes não tinham acesso aos registros completos e estavam operando sob restrições rígidas impostas pela Suprema Corte. Moraes delegou apenas a verificação dos documentos, reservando para si todas as decisões substantivas. As audiências nunca tiveram o objetivo de avaliar os casos. Elas foram encenadas para aprovar resultados já decididos.

Divulgação no Dia da Mulher usada para efeito midiático

Um dos sinais mais claros de que as decisões de detenção eram políticas — e não jurídicas — veio dois meses após as prisões de 8 de janeiro.

Em 8 de março de 2023, o Supremo Tribunal Federal do Brasil ganhou as manchetes ao anunciar a libertação de 149 mulheres presas durante os protestos. O momento não foi coincidência: era o Dia Internacional da Mulher, e o gesto foi amplamente celebrado pela imprensa como um ato de compaixão e justiça.

Mas, nos bastidores, conversas vazadas contavam uma história diferente.

Cinco dias antes, em 3 de março, Kusahara repassou uma instrução do ministro a Eduardo Tagliaferro, chefe da unidade de desinformação do TSE: a equipe deveria investigar se alguma das mulheres detidas havia participado de grupos do WhatsApp ou Telegram “sobre o golpe”. O objetivo não era determinar quem poderia ser libertada com segurança, mas sim encontrar justificativas para mantê-las presas.

Na manhã do anúncio, Cristina enviou outra mensagem a Tagliaferro, perguntando se as certidões positivas das mulheres eram “fáceis de imprimir” para que ela pudesse apresentá-las a Moraes. Poucas horas depois, Tagliaferro respondeu: havia 17 mulheres com certidões positivas e listou seus nomes. As mulheres permaneceram presas por dois meses inteiros, à espera do ato de marketing.

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O Supremo Tribunal nunca explicou por que algumas foram libertadas e outras não. Nenhuma lista oficial das 149 mulheres detidas foi publicada.

Pesquisamos notícias e, com base em informações disponíveis publicamente, apenas uma mulher — Camila Mendonça Marques, uma vendedora de materiais de construção de 35 anos e mãe de dois filhos pequenos — pode ser confirmada com certeza como tendo sido libertada em 8 de março. Sua libertação foi explicitamente concedida porque ela era a única responsável pelos cuidados de seus filhos de 5 e 9 anos. As outras permaneceram sob custódia.

A libertação de Marques não durou muito. Ela foi presa novamente meses depois — não por nenhum novo crime, mas porque seu monitor eletrônico de tornozelo parou de funcionar. As autoridades também a acusaram de planejar fugir, citando a venda de pertences pessoais como comportamento suspeito.

Ela não estava sozinha. Dezenas de outras pessoas foram enviadas de volta à prisão por motivos semelhantes: dispositivos de monitoramento com defeito, suspeitas vagas ou simplesmente porque outros réus de 8 de janeiro haviam fugido. Em muitos casos, nenhuma evidência concreta de um plano de fuga foi apresentada. A suposição por si só foi suficiente.

Parte II: O uso de agentes externos pela TSE para perseguir dissidentes

Enquanto a força-tarefa se apressava para classificar as detidas antes de uma libertação em massa planejada para o Dia Internacional da Mulher, as autoridades recorreram a um recurso ainda mais obscuro: colaboradores externos sem função oficial na investigação.

Em 3 de março de 2023, quando Kusahara transmitiu um pedido pessoal do ministro Moraes para encontrar provas que ligassem as mulheres a grupos do WhatsApp ou Telegram “relacionados ao golpe”, Tagliaferro recusou. O conteúdo já havia sido apagado, disse ele, e o próprio TSE havia apagado alguns dos registros. Ainda assim, em um esforço para cumprir a ordem, ele perguntou se poderia entrar em contato com o que chamou de “parceiros externos” — indivíduos que já haviam se infiltrado em chats privados e coletado dados para o tribunal.

Cristina hesitou. Ela temia vazamentos. Então, ela disse a ele para contornar os canais oficiais do governo e enviar a solicitação diretamente para uma conta de e-mail pessoal usada por Moraes: alegemeos@uol.com.br. “Já disse a ele que você vai escrever”, acrescentou ela. Tagliaferro acatou: “Enviado. Tentei ser o mais simples e cuidadoso possível”.

(…)

Embora Tagliaferro tenha escrito posteriormente que não recebeu resposta do ministro e que seguiria com o procedimento padrão, fontes do Tribunal Eleitoral afirmam que o ministro respondeu ao e-mail e deu sua aprovação.

Dias depois, Cristina deu continuidade: os parceiros haviam encontrado alguma coisa? Tagliaferro respondeu que os grupos do WhatsApp e do Telegram já haviam sido excluídos após os eventos de 8 de janeiro, dificultando a coleta de qualquer informação útil. Diante da falta de provas contra detidos específicos, funcionários do mais alto tribunal do Brasil tentaram ativar uma rede de vigilância clandestina.

(…)

De acordo com um ex-funcionário do TSE, os chamados “parceiros” infiltrados nos grupos de mensagens incluíam agências de verificação de fatos, como a Agência Lupa, e instituições acadêmicas, como a FGV e a UFRJ. Esses parceiros não se limitavam a enviar relatórios ou dicas ao TSE — eles também recebiam pedidos de investigação diretos do tribunal.

Essa não foi a única vez que funcionários do tribunal recorreram a pessoas de fora. Não se tratou de um caso isolado. Conforme revelado anteriormente por A Investigação, ativistas e jornalistas com ideologias alinhadas enviaram dossiês não oficiais diretamente a Alexandre de Moraes. Alguns deles foram posteriormente usados para justificar ordens de censura ou detenções.

O exemplo mais notório foi o da jornalista Letícia Sallorenzo, conhecida na Vaza Toga como “a Bruxa”. Apoiadora fervorosa de Moraes, ela se autodenominava especialista em desinformação. Sallorenzo compilou listas de alvos e as enviou diretamente ao TSE. Em seu trabalho acadêmico, ela defendeu a censura online aplicada por Moraes usando a teoria do firehosing — conceito da RAND Corporation de que uma enxurrada de mensagens rápidas e repetitivas, mesmo que não totalmente falsas, pode sobrecarregar o público e distorcer a percepção.

As investigações lideradas por Moraes acusando Bolsonaro de planejar um golpe de Estado sugerem que Sallorenzo não é apenas uma admiradora do ministro. Suas teorias acadêmicas foram usadas para apoiar a alegação da Polícia Federal de que, desde 2019 — o início da presidência de Bolsonaro —, ele vinha conspirando para derrubar as eleições de 2022.

Ao terceirizar partes do processo de inteligência para pessoas como Sallorenzo — indivíduos sem responsabilidade pública, sem mandato judicial e sem supervisão legal —, a mais alta corte do Brasil obscureceu a fronteira entre o dever institucional e a aplicação política. Sem mandados. Sem transparência. Apenas um círculo fechado de colaboradores leais alimentando uma máquina judicial com dados coletados fora dos livros.”

O site está à disposição dos interessados para postagem de qualquer manifestação.

Veja abaixo as íntegras da reportagem e dos diálogos travados.

Referência: Civilization Works (David Ágape e Eli Vieira).

Faça uma denúncia ou sugira uma postagem para o Direito e Ordem através do seguinte e-mail: contato@direitoeordem.com.br

Acompanhe o Instagram do Direito e Ordem (@alexferreiraborralho).

Alex Ferreira Borralho

Alex Ferreira Borralho é advogado e exerce suas atividades advocatícias, principalmente, nas áreas cível e criminal. Idealizou o Instagram Direito em Ordem em 03.01.2022, criando um canal de informações que busca transmitir noticias relevantes de forma sucinta, de entendimento imediato e de grande importância para a sociedade, o que foi ampliado com publicações de artigos semanais no Jornal Pequeno, todos os sábados e nos mais variados meios de comunicação. Esse canal agora é amplificado com a criação do site Direito e Ordem, que deverá pautar, especialmente, os acontecimentos do Poder Judiciário do estado do Maranhão, levando, ainda, ao conhecimento de todos informações sobre episódios diários no âmbito dos tribunais, dos escritórios de advocacia e do meio político e social.
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