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A proibição do excesso na atuação do Ministério Público nas contratações de serviços advocatícios pelo Poder Público

“A virtude é (…) um meio-termo entre dois vícios, um por excesso e outro por falta.” – Aristóteles, Ética a Nicômaco –

A defesa da probidade administrativa sempre foi um dos pilares que sustentam o Estado Democrático de Direito. Como advogado, procurador municipal e conselheiro federal da OAB, tenho acompanhado de perto as tensões entre zelo e exagero na atuação do Ministério Público nas contratações de escritórios de advocacia ou advogados privados pelo poder público, especialmente após as recentes modificações na Lei de Improbidade Administrativa e de Licitações Públicas.

O Ministério Público, como instituição permanente e essencial à Justiça (art. 127 da CF), exerce papel de protagonista na tutela do patrimônio público e na preservação da moralidade administrativa. Entretanto, seu poder de agir não é absoluto! A virtude, como ensinava Aristóteles[1], não reside nos extremos — nem na falta, nem no excesso —, mas no “meio-termo”, isto é, na justa medida que equilibra o dever e a razão.

O princípio da proporcionalidade, tal como concebido na tradição constitucional alemã e incorporado ao nosso ordenamento jurídico, exige do Estado, em relação ao tema em debate, um ponto de equilíbrio: combater a corrupção sem violar as garantias individuais. Esse princípio possui duas faces complementares: conter os abusos —Übermaßverbot (proibição do excesso) — e evitar a omissão —Untermaßverbot (proibição da proteção deficiente)[2]. Em outras palavras, proporcionalidade é, ao mesmo tempo, limite e dever: impõe ação responsável sem autorizar arbitrariedades.

No campo da persecução por improbidade em contratações de serviços advocatícios, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema 309 (RE 656.558/SP), reconheceu a legitimidade da contratação direta por inexigibilidade de licitação, desde que observados os critérios “já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), como também: “(i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com a responsabilidade profissional exigida pelo caso, observado, também, o valor médio cobrado pelo escritório de advocacia contratado em situações similares anteriores.”

Ainda nesse contexto, o STF reafirmou a exigência de dolo para a caracterização de atos de improbidade — entendimento que se harmoniza com a orientação fixada no Tema 1.199, relativa às alterações da Lei 8.429/1992 pela Lei 14.230/2021 e reiterado na decisão proferida na Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.236/DF, sob relatoria do Ministro Alexandre de Moraes. Em síntese: não há improbidade sem dolo, e a modalidade culposa não se sustenta no regime atual.

A reforma da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 14.230/2021) deixou isso bem evidente: não há mais margem para punir atos culposos, uma vez que a nova redação passou a exigir a demonstração inequívoca de dolo. O novo regime reforça a observância dos princípios da legalidade estrita, da tipicidade e da proporcionalidade.

O Superior Tribunal de Justiça tem reiterado que não se pode presumir o dolo do agente público a partir de meras irregularidades formais. No julgamento do AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.760.279/SP (STJ, Rel. Min. Afrânio Vilela, Segunda Turma, j. 7/10/2024, DJe 10/10/2024), a Corte foi categórica ao afirmar que “o dolo não pode ser subentendido, devendo ser explicitado pelo julgador, sob pena de se instituir responsabilidade objetiva por ato ímprobo, o que é vedado pelo ordenamento jurídico”. Assim, ficou claro que não cabe imputar improbidade com base em erros formais ou por suposições deque o gestor “deveria saber” da irregularidade. Há uma linha que separa o erro administrativo da desonestidade, e essa linha precisa ser respeitada!

Não se pode perder de vista que o exercício do direito de ação (ius actionis), corolário da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF), deve observar a proporcionalidade. A jurisprudência pátria já afirmou a importância da moderação no exercício do direito constitucional de ação. O STJ, ao julgar o REsp n. 1.817.845/MS, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/10/2019, DJe de 17/10/2019, reconheceu que o ajuizamento sucessivo de ações sem fundamento concreto configura abuso do direito de ação, ressaltando que o direito de acesso à Justiça — embora assegurado constitucionalmente — não é absoluto e deve ser exercido de modo responsável, proporcional e compatível com os fins sociais do processo.

Moderação, fundamentação e prudência nas ações civis públicas por ato de improbidade não significam limitação, mas compromisso com o devido processo legal (art. 5º, incisos LIV e LV, da CF) e com a verdadeira Justiça, que é sempre imparcial. O controle dos excessos não é retaliação: é salvaguarda da credibilidade e da confiança social na instituição.

Nesse cenário, a advocacia — também função essencial à Justiça (art. 133 da CF) — exerce papel indispensável na reafirmação desse equilíbrio. Defender a Constituição, os precedentes vinculantes (art. 927 do CPC) e as garantias processuais não pode ser discurso retórico, mas expressão concreta de cidadania constitucional. A recente decisão proferida pelo STF, na PET nº 14.601/MA, relatada pelo Ministro Dias Toffoli, insere-se nesse contexto: mais do que uma vitória individual deste articulista, representa a reafirmação de que o sistema de Justiça deve funcionar sob os pilares da imparcialidade, da responsabilidade e do respeito mútuo entre as instituições.

O Poder Judiciário, o Ministério Público, e a Advocacia não são forças rivais, mas pilares complementares de uma mesma construção: a de garantir que o Estado Democrático de Direito permaneça fiel à razão, à lei e à justa medida, sobretudo em tempos de extremos.

Um viva ao Direito e à Justiça!

Daniel de Faria Jeronimo Leite

Advogado, Procurador do Município de São Luís e Conselheiro Federal da OAB

Referências: Advogado Daniel de Faria Jerônimo Leite e Portal O Informante.

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Alex Ferreira Borralho

Alex Ferreira Borralho é advogado e exerce suas atividades advocatícias, principalmente, nas áreas cível e criminal. Idealizou o Instagram Direito em Ordem em 03.01.2022, criando um canal de informações que busca transmitir noticias relevantes de forma sucinta, de entendimento imediato e de grande importância para a sociedade, o que foi ampliado com publicações de artigos semanais no Jornal Pequeno, todos os sábados e nos mais variados meios de comunicação. Esse canal agora é amplificado com a criação do site Direito e Ordem, que deverá pautar, especialmente, os acontecimentos do Poder Judiciário do estado do Maranhão, levando, ainda, ao conhecimento de todos informações sobre episódios diários no âmbito dos tribunais, dos escritórios de advocacia e do meio político e social.
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